quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Na hora do adeus ou dogville

a grama grande balança no ritmo imposto pelo vento. câmera sobe lentamente e filma sapatos de bico arredondado, pernas, saia, um corpo completo: velha parada, close na boca aberta e nas mãos que seguram a cabeça, lenço azul-marinho em seu pescoço, blusa vermelha [o som é de vento, puro assim e forte]. árvores de pequena e de grande estatura, roupas penduradas no varau, mulheres correm tentando salvar a roupa pedindo ajuda, céu cinza.

corre no ritmo do vento até perceber outro lugar

três paredes, sendo a quarta uma porta simétrica à elas que não está. terracota é a cor da vez. várias pessoas, gritando, pedindo ajuda, paradas e amontoadas de um lado, no meio uma escada rolante, do outro caixas e caixas empilhadas. salve a criança, salve antes que... corre na escada que só descia, sobe e pula, as caixas caem, numa delas havia um bico de vidro que se partiu. você a matou! gritos e choros.

polvorosa acusações tentativas de linchamento até que

numa sala azul quase cinza as pessoas estavam dispostas em formação de roda, tochas de fogo possibilitam a iluminação, no meio o acusado. a culpa é dela nem quero saber. foi ela, eu vi quando sorriu pelo canto da boca. essa decisão é a mais acertada. tudo que eu queria era salvar a criança, tudo, juro. você não viu? você quebrou ela. você viu. você. mas era um bico. foi você, a criança. se cale.

ninguém que salve acontece assim às vezes

descobri que me tornei humano quando dormi, acordei sonhando, e não soube mais o que é realidade. camadas. alguém me tirou desse sonho e trouxe café da manhã quentinho.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Sobre bolo

, ou a valsa que se dança só até a meia-noite-e-meia.

sozinha sentou-se no bar
e imediatamente pegou a primeira cerveja
pra esperar que ele aparecesse

a música começou
gente conhecida
mas que nunca foi apresentada
ia e vinha

a segunda foi pra duvidar que ele chegasse

dois celulares no colo:
- posso não ouvir mas sinto quando vibrar;
ele só tinha um dos números
- mas talvez consiga com algum amigo em comum o outro, deve ser a operadora.

gente que já foi amiga te fazendo companhia

e a terceira pra recuperar a dignidade

chegar em casa e ter mais matéria pra se culpar
culpar ele
culpar o complexo de eletra
culpar a bolsa de valores por não estar favorável juntamente com a posição dos astros

e chorar uma lágrima em cada piscada
até dormir e sonhar e esquecer
e recuperar as veias

faz de conta que você tem sangue nos olhos e que isso aqui tem um ponto bem no final

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Primeira aparición de la mañana

... e foram tantos eu te amo
que o vento tratou de levá-los.
falhou,
pois levou-os só de um lado.
deixando o outro rouco,
torto e dolorido
até não poder mais...

vencendo-se o cansaço o que resta é só lembrança, dias de poucas chuvas no céu e dilúvios dentro de um corpo só

que pende, se fende, arranha, se estranha

a praia recorda que já chegou a hora de merendar sal grosso e o vento só carrega areia muito fina. o mar agradece a solidão de cada um - enquanto uma criança faz castelos de areia - só porque pra ele ser só-sozinho é mais triste, e logo cai a noite.

não demora muito ele não dorme. e só.

um beijo salgado nos olhos. os dois.

domingo, 29 de maio de 2011

Historieta de henriqueta I

henriqueta tinha problemas de dentição e usava aparelho; via em filmes, desenhos e nas histórias que as pessoas podiam voar e este se tornou seu sonho. numa manhã de poucas nuvens foi sentir o sol do recreio e comer sua maçã, sentia um vazio estranho, tontura e azia. voltou pra sala, tentou assistir aula. como não conseguia pediu liberação e foi conversar com a coordenadora sobre remédios, um mais específico, como não tinha, solicitou a menina que descansasse em casa. ela suava frio dentro de seu uniforme mas mesmo assim não tirava o cardigã violeta, pois tinha a impressão de que se tirasse sentiria muito mais frio que calor. andou pra pegar o ônibus e sentiu um vento diferente, uma sensação boa, como se tivesse um sol dentro do corpo. olhou pra um lado, pro outro e não soube definir, continuou andando... pensou em olhar pra trás; quando ia virar viu milhares de borboletas amarelas passarem na sua frente, elas iam na direção de uma casa que ficava perto do ponto. os cabelos de henriqueta se levantaram com o vento, e ela se sentiu tão feliz. parecia que um príncipe finalmente a tinha chamado pra dançar. pensou em cerejas por cima da torta de morango, pipoca, jujubas e desenhos coloridos; logo começou a passar a língua nos dentes pra tentar resgatar pequenos pedaços de maçã do seu aparelho. seguiu com o coração acesso. chegando em casa ouviu no noticiário que milhares de borboletas amarelas de uma espécie só passavam pela cidade, intrigada correu pra sala e aumentou o volume: elas fugiam do inverno do sul e procuravam por flores.

Menos perfumado

oh stacy!
you could give me an embrace...
bitch.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Qualquer intenção

o um olhou pro dois
e o destampou
o dois olhou pro um
e choveu por um dia

dormiu encharcado
e tentando ser tampado
chamando por alguém
que não ouvia

e só dormia.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Samba de dor

eu fiz um samba de dor
pra você dizer que é seu amor

eu fiz um samba de dor
pra seu a-mor

e não importa se é triste
porque já se não é mais

e não importa se é bonito
ficou pra trás

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Bordas invisíveis

é fato que meu peito é um descanso
pro seu pranto rouco e manso
com medo de enlouquecer

é fato que teu peito é um remanso
pro meu tanto louco e anso
com medo de te perder.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A flutter and the some words

- qual é a sua desculpa para não guardar suas coisas?
- eu não tenho um guarda-roupa

...

- e agora?
- eu não tenho tempo

...

- e?
- me sinto muito só
...

-?
- eu ainda não sou feliz.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Balada do lado sem luz

enquanto que a solidão dela era a de ter vivido
a da outra foi do que não viveu

quando se olha nos olhos
o que sobra é espaço
som que se ensurdece de tão mudo
e ecoa em pequenas explosões

não se pode ter alguém de fato
o que se tem são ideias
só perfeitas em um plano
e cheiros que remetem a paisagens

hoje é todo dia
dia é saudade

e canto.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Historieta de henriqueta

começou sua coleção quando viu uma menina dar a uma outra dentro de um plástico. pensou que queria um amigo, um amigo legal, um amigo tão legal que desse borboletas dentro de um plástico; começou a colecioná-las para dar a seu melhor amigo, amigo que é amigo tem que ter borboletas, mas amigo que é tão legal tem várias pra fazer um quadro ou uma caixa, pregadas em alfinetes, com umas bolinhas brancas de cheiro forte que derretem. como ainda não tinha o plástico para guardá-las improvisava com folhas de caderno e esmolas publicitárias. juntou todas que via, até as mariposas, não sabia que mariposas eram diferentes, só pensava que elas deviam ser borboletas mais gordas porque dormiam mais tarde e comiam mais pólen, e que elas ficavam com as asas abertas para parecerem mais bonitas. enquanto não achava um quadro ou uma caixa para guardá-las henriqueta colocava os pequenos papéis dentro de seus livros. já tinha um número considerável de exemplares guardados quando sua professora pediu para que os alunos trouxessem seus cadernos - queria fazer a correção do ditado; andou e levou cuidadosamente seu caderno entregando-o. por que seu caderno está assim henriqueta? pegou o caderno e os papéis embolados caíram, a professora abriu um e viu que tinha uma borboleta, perguntou se nos outros também eram borboletas e henriqueta tímida confirmou com a cabeça. a turma riu, debochando da menina, que triste foi sentar na sua cadeira de cabeça baixa. no outro dia a professora deu uma aula sobre borboletas que todos apreciaram. dois dias depois uma menina muito bonita de cabelos cacheados chamada luana trouxe um belo exemplar, das amarelinhas, embolado num papel para henriqueta. e assim começou sua primeira amizade.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Mafuá

algo se perdeu no meio do caminho e não foi a pedra de drumond. foram os pedaços da sola dos sapatos e a contagem das coisas - que é irrelevante para a ordem natural, basta apenas que elas aconteçam [bem]

a ausência não é só distância
ela explica tanto
e deturpa
não consegue não-ser simplesmente

não sei dizer se é só porque as unhas cresceram que os restos ficam retidos
e mesmo assim se teima em retirá-los
insisto que há vida nos pontos, suas contradições e nada

fogo é que nem bregueço: só se guarda se for pra usar; então

fica aqui. pisa aqui. senta aqui. que meu tapete é vermelho e macio.
fica aqui. pisa aqui. senta aqui. que meu tapete é vermelho e macio. fica aqui. pisa aqui. senta aqui. que meu tapete é vermelho e macio.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Cisne branco nordestino

meu amor não se preocupe
que eu já volto já
vou te dar um banho de cheiro
porque eu quero é te lavar
pra fazer as suas malas
pra puder eu te levar
pra tu vir mais eu simbora
pra junto de mim morar

meu amor
minha flor
minha menina

sei que é doce tua sina
depois que tu assina
os dias de nossa vida
vida minha-tua-nossa
quando tudo se alumina

minha bela pequenina
até fé em mim atina
teu querer é coisa fina
mais melhor que cajuína

vou fazer uma embolada
pra te conquistar com rima
que não é amor-dor
mais que cheira a uma flor
mais linda que a tal cravina

meu amor
minha flor
minha menina

eu vendi minha belina
pra comprar nossa casinha
onde a raiva se assassina
eu te dou minha maria
pra lá nois dois se desatina
elegante dama fina
tu nunca se desafina

teu batuque me anima
me manda até pra china
me volta pra teresina
pos ti rasgo até batina
imagina... imagina...

o teu passo dançarina
oh que doce bailarina
acende a lamparina
do meu peito que é suspeito
de lhe querer de lhe gostar

meu amor
minha flor
minha menina

pulou num espaço
e em cada pedaço
refez meu coração

Livro Primeira Aparição da Manhã - Luciana Andradito

  SINOPSE “Primeira aparição da manhã” é uma seleção de poemas que compõem a primeira obra literária da escritora Luciana Andradito. Produzi...