segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Caixa de joias

ela abre sua caixa antiga
como quem abre o coração
lentamente
de peça em palavra
ela conta sua vida

o primeiro brinco
de bolinha
só um só
o outro se perdeu
com a meninice

o primeiro conjunto
um par de brincos e um pingente
de anjos repousados numa lua brilhante
um dos anjos da orelha
logo resolveu voar

uma bailarina veio preencher as ausências
um tempo depois deixou de dançar no seu peito

o primeiro anel
não era aliança
mas foi do primeiro amor
cheio de estrelas que rodavam

o segundo era de pedra
uma tentativa do amor segundo
que um dia caiu e se quebrou

a pulseira que o pai achou e deu pra mãe
a mãe usou que deu pra avó
que guardou usando
pra dar pra neta
aos quinze anos

o pingente com a santa
que o pai mandou
pra carregar no peito
e andar com proteção

um par de brincos dourados
com pedras verdes da avó
que lembram os olhos e cabelos dela

o anel que comprou com o primeiro salário
uma borboleta de prata indiana
que acompanhou tantos dias
e que guarda para a filha

outro que comprou com o pagamento atrasado
de lápis lazuli
pra inspirar os dias

o conjunto de um par de brincos e anel
de pedra coral num vermelho intenso
da cor da paixão do amor que deu pra ela

hoje ela anda com um relicário de pedras miúdas
marcassitas que caem com o passar dos dias
e pra preencher suas ausências
ela guarda uma pedrinha violeta
pra iluminar seu coração

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Passarinho passa vento que sopra

passarinho não teve aqui
mas o vento passou
e me soprou o que ele disse:

que pra ser artista de verdade
a gente tem que
viver tocando a vida

deixando todo dia
um pouco da gente mesmo
em alguma coisa

Escrita de sangue

escrever é tirar a dor da alma
e passar para o corpo
que a guarda
em papel

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Jornada do pó

até coisas simples
como um encontro
ou uma conversa
são recheados de vazio

as coisas são como sacos cheios d'água
com buracos e espaços que não se completam
e existem em sua tentativa-corpo-presença

elas acontecem
e enquanto se oferecem ao tempo
mostram o que realmente são
ligas de pequenos pontos

entre os vazios
cheios de
espaços

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Tic tac tic tac

onde foi parar nossa doçura?
só lembro dela, só
só lembro dela só

domingo, 18 de maio de 2014

Boa tarde

já é maio
dias de muito calor
e em cima da nossa casa
chove amor

pra deixar seu sono mais doce
e embalar seus sonhos 

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Sangria


cada

.
palavra

.
pinga

.
o

.
peso

.
que

.
tem
.
.
.



domingo, 27 de abril de 2014

Ukú

a tristeza é um peixe
num aquário guardado
em um quarto escuro
perdido no fim do mundo

ela mora
dentro do seu guardião
e todos os dias ele o alimenta
com dois tipos de ração

uma faz com que ela cresça
e o quarto fica menor
a outra faz com que ela diminua
e o quarto fica maior

quem decide qual comer
é a fome
quando uma acaba
é hora de comer a outra

existem alguns peixes raros
que conseguem comer
um pouco de cada uma por vez
a lua e o sol agradecem
mantendo o equilíbrio

Pro mar

às vezes os olhos embaçam
não pela falta de lentes
mas porque estão molhados
mergulhar em si mesmo
é não dormir
e ainda assim ver

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Do amor

eu nasci com o movimento. meu pai e minha mãe se amavam tanto que eles precisavam se movimentar juntos, um no corpo do outro, para mostrar um para o outro como era o seu amor. foi assim que eles me fizeram... e eu fui crescendo dentro de um lugar quentinho e confortável... um dia eu fiquei tão grande que o movimento que eu fazia dentro da minha mamãe começou a doer ela. ela até caiu da rede com a dor e eu senti doer em mim. lá já tava tão pequeno... e eu não conseguia mais parar de mexer. foi indo assim pequenininho até ficar maior e mamãe começar a mexer junto comigo. o movimento tomou conta de nós duas e quando percebi tava num lugar gelado... eu senti falta do calor da minha mamãe... comecei a chorar, chorei tanto que me colocaram no peito dela pra acalmar. ela acabou dormindo cansada e me levaram pra dormir em outro lugar.

estávamos bêbados. saímos de uma festa e fomos pra outra, uma que era só nossa, tinha até um dj só pra gente. dançamos juntos um monte de música. ele no ritmo dele, eu no meu, a gente tentando se encaixar. eu recebia o corpo dele com cuidado e assim dava meu corpo aos poucos... recebendo. ele querendo mais do que qualquer coisa, eu tranquila, querendo descobrir através com os detalhes... nos descobrimos. um assertivo e outro que escapa sem escapar, de leve, pra ver se a corda encorda. essa foi a segunda vez que nos conhecemos, estávamos vestidos. na primeira só nossas palavras e sons se conheceram... mais as minhas do que as dele, eu buscava muito e tinha pressa. na terceira nossos pés e mãos dançavam tímidos embaixo d'água, se encontrando. na quarta nosso corpo todo dançou depois de um filme, embalado por música de banda e pela nossa própria partitura.  

quarta-feira, 26 de março de 2014

Comida da alma

a coisa mais bonita de um livro
é que as palavras não cabem
ele por si só é um objeto sem sentido
que recebe os efeitos do tempo

é preciso que alguém abra
passe as páginas com cuidado
e dê instantes de sua vida
para o paleio se animar
           ...

dentro da cabeça
as coisas moram
dormem acordam
e se alimentam

Antropofagia

a traça é um bichinho que gosta tanto de livro
que come suas palavras e páginas
tentando guardar
as histórias

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Lagamar

.

entre

uma ponte

.

e outra

alagamentos

.


Por enquanto nada de novo

é só a loucura se apaixonando pela normalidade
a que tem os pés no chão tem medo de voar
e a outra que usa camisa de força quer se soltar

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Viagem em decurso

de costas para o passado
sigo andando em frente
no caminho do presente
carregando a mala cheia de ilusão

o futuro se presta a chegar
e o desejo anseia por florescências

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Inverno que traz verão

ela tirou a tinta dos cabelos
e a maquiagem
pra se pintar de sol
alguém disse
e ele reparou

ela muda
como mudam
os ventos
areias
e águas

e cada vez que se olha
novas pétalas
e brilhos
emanam de seus poros
e chegam até o universo

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O mistério do presente

mora no fato
de que quando
a gente pensa
que ele está
já foi

...

sua presença
só dura em pensamento
e ação
o resto fica tudo
pra antes e depois

A melhor amiga da distância

a saudade tem nome
tem casa
forma
cor
e cheiro

às vezes suave
noutras arremata
e traz com ela uma amiga
a velha dor no peito

umas são de fogo
outras são de água
mas sendo ela quem for
só tem um jeito que passa

passa assim
num abraço de tu com eu
mas volta assim
logo quando desabraça

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Esfregação

ela não sabe
quanta tristeza
cabe numa solidão
nem quantas paralelas
cabem na palma da mão
vai que de repente
alguma coisa muda
e se abre
como uma flor
de cheiro forte
preenchendo
todas as coisas
aos poucos
o mar que existe
em seus olhos
vai se desvelando
e nessas várias camadas
o núcleo é o que permanece
ligando todas as veias
e pontos e pintas
o seu corpo é o seu mapa
discreto em estratos
e repleto em substâncias
que pinga

pinga

pinga

e transborda 

Gentileza

e o sol entra... 
você se deixa ficar
e absorve os brilhos da coroa do rei 
antes de refletir toda a vida que ele te dá

domingo, 5 de janeiro de 2014

Por mais que se tente

para tudo que é
morto
velho
gordo
magro
não há eufemismo


Pé de macho

quando criança, papai nos pediu pra plantar um pé de jambo com ele e prometeu que quando crescesse daria pra ver da janela do quarto do meu irmão. prendemos no mundo também as raízes de uma arvorezinha daquelas para dar sombra na calçada do lado de fora, pro carro quando tiver lá e pra gente quando quiser colocar cadeira e sentir o fresco. as árvores tinham um quadrado já posto no chão de cimento feito para caber elas apenas num pequeno pedaço de terra. a da calçada ainda tinha uma proteção que também era uma forma de contenção. ela tinha uma grade, feita por ele mesmo e pintada de branco. crescemos e as árvores também cresceram. papai manteve sua promessa e conseguíamos ver não só uma, mas duas árvores da janela. contribuímos pra deixar a casa mais fresca, mas nunca tivemos frutos. 

Livro Primeira Aparição da Manhã - Luciana Andradito

  SINOPSE “Primeira aparição da manhã” é uma seleção de poemas que compõem a primeira obra literária da escritora Luciana Andradito. Produzi...